Aquele monstro que se chamou Champollion descansava de seus estudos de egiptologia escrevendo uma gramática chinesa.
Porém nós outros, os relativamente normais, que haveremos de fazer?
Palavras cruzadas?
No entanto, o perigo das palavras cruzadas é nos inocularem às vezes, para todo o sempre, os mais estapafúrdios conhecimentos. Por exemplo, há duas semanas sou sabedor de que "rajaputro" significa "nobre do Hindustão, dedicado à milícia". Espero, o quanto antes, esquecer tal barbaridade.
O que importa é substituir as preocupações pela ocupação.
Quanto ao exercício da poesia, nem falar! Qualquer poeta sabe como dói, mas como é preciso virar a alma pelo avesso para fazer um verdadeiro poema - salvo se você for um poeta concretista, porque, na verdade, não há nada mais abstrato que um poema concreto.
Pois bem, falando em coisas sérias, o problema, seu poeta, é ocupar o espírito sem ao mesmo tempo estraçalhá-lo.
E problemas assim - puros problemas - só mesmo os problemas matemáticos. Já o velho Pinel recomendava o estudo das ciências exatas como preservativo dos distúrbios mentais.
A matemática é o pensamento sem dor.
Mas infelizmente sucede que a matemática ainda é pior do que chinês para nós, que, nesta altura da vida, só não esquecemos as quatro operações e, quando muito, a regra de três e também a teoria dos arranjos, permutações e combinações - tão útil no jogo do bicho.
Que resta, então?
Oh! como é que não me lembrei disso antes?! Resta-nos uma passatempo esquecido: o delicioso vício da leitura.
por mário quintana publicado na Folha de S. Paulo em 01/05/77
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